Havia uma casa e nela morava um casal. A casinha era pequena, porém muito aconchegante. Era escura,
mas ficava muito iluminada quando abriam as velhas e enormes janelas de cor
azul, típicas de casas antigas que são preservadas ao longo do tempo. Havia
poucos móveis, comum para quem se casou há pouco e não tinha muitos recursos
financeiros. Nem todos combinavam entre si, mas todos combinavam com os donos:
tinha um pouquinho dos dois em cada detalhe, seja no encosto de madeira sobre o
braço do sofá para apoiar as taças de vinho, no porta-retrato com a foto que
ambos ficaram bonitos, no conjunto de molduras e imagens completamente harmônicas
que foram feitas em um fim de semana produtivo por eles mesmos, ou ainda no
jarro sobre uma mesa com uma flor amarela que ele roubava na rua e trazia para
ela quando vinha da padaria. Até mesmo a caixa de ferramentas que vivia perto
da Kombi antiga que ele mexia todos os dias e tinha adesivos de corações que ela
botou para ser lembrada. O jardim era lindo, havia uma horta onde plantavam de
tudo. Estavam até pensando em como isolá-la para o plano de adotar um cachorro
de rua.
Eles se amavam e viviam tranquilos e felizes até a campainha
tocar – sabe como é, trocar a antiga campainha por um interfone não era
prioridade. Ela foi ver quem era e pela murada gradeada viu um homem muito bem
vestido, com terno, gravata, sapato social e cabelo bem penteado. Testemunha de
Jeová? Representante comercial de TV por assinatura? Eles estavam mesmo
querendo contratar uma. Foi então até lá.
Antes mesmo de perguntar o que o homem desejava, viu uma
arma apontada para sua barriga e então não sentia mais nem os seus pés. Enquanto
olhava a arma, em milésimos de segundos, milhares de pensamentos rondavam sua
mente: “não há tempo para correr?”; “se eu abrir o portão o que ele vai fazer?”; “não é possível
que não passe ninguém nessa rua agora”; “cadê as viaturas quando precisamos?”.
Mas, involuntariamente, percebeu que o melhor a fazer era não reagir e o deixou
entrar.
Com a arma em sua cintura, abraçada pelo bandido que a
escondia por baixo do paletó, entraram. Seu marido, ao ver a cena, decidiu que
o mais seguro era também não reagir. Foram levados para o quarto por essa
pessoa, que continuava apontando a arma para eles e não disse uma só palavra.
Fechou a janela para ninguém ver o que se passava no local, e então rasgou sua
roupa.
Estranhamente, o casal viu que o assaltante vestia uma roupa
de palhaço, rapidamente botou uma mascara que imitava uma maquiagem do
personagem e também uma peruca. Não entenderam. “Será que vai nos matar e esse
é um disfarce?”; “Escolheu um verdadeiro disfarce...”.
A essa altura o coração dos dois batiam mais rápido do que a
máxima velocidade que a Kombi atingia quando chegou a casa, com o motor todo
defeituoso. Eles seguravam fortemente a mão um do outro e nenhum ousava dar uma
palavra. O próprio bandido nada falou, apenas apontou a arma e apertou o
gatilho para eles, que como se falassem pelo olhar, ficaram face a face e
disseram um “eu te amo” mudo, como tantas coisas que entendiam apenas em ver o
rosto de quem tanto se conhecia.
Então, o bandido executou o que foi ali fazer. Apertou o
gatilho: a arma foi disparada. Entretanto, tal como o seu disfarce, o revolver
também fazia parte da caracterização: ao invés de bala, foi lançada para frente
uma haste com um tecido vermelho em volta, o qual se desenrolou e mostrou a
palavra “bang” de cor branca, bem no meio, perfeitamente centralizada. O que mais chamou a atenção, porém, foi a frase que havia em baixo: "vim roubar o seu tempo".
Finalmente o despertador toca! Ela pergunta ao seu marido se ele está bem. Normalmente, e até com um sorriso no rosto, ele responde que sim. Ela percebeu algumas rugas a mais, alguns cabelos a menos, onde o branco já quase ocupou todo o espaço. Levantou e se olhou no espelho: finalmente a carinha de criança dera lugar a uma aparência séria, com algumas rugas a mais e cabelos finalmente mais finos e ralos, tal como lembrava sua avó nos tempos em que tinha seus 20 e poucos anos.
Percebeu que seu quarto já não tinha tantas notas adesivas com listas de coisas para fazer, mas uma parede repleta de fotos fazia uma recordação instantânea de como a vida foi generosa, dando tantos pequenos prazeres diários que as pequenas tristezas nem tinham espaço.
Abriu a janela e viu a horta, linda como sempre, protegida pela murada de madeira que deixou o dedo de seu amado roxo por uma semana devido ao martelo tê-lo acertado. Dois labradores não paravam de latir e emitir sinais de alegria quando a viram. O sol já estava ficando forte e a piscina do outro lado do quintal refletia essa luz quase que convidando-os para um mergulho. "Não tenho mais idade para isso", pensou.
Viu ainda que um dos cachorros segurava um carrinho de brinquedo na boca e lembrou que hoje é domingo, em algumas horas a casinha tão pequena se tornará ainda menor com a quantidade de crianças que vão correr por ali, o silêncio tranquilo que impera na maioria dos dias será quebrado pela risada dos filhos que têm tantos assuntos para conversar, mas quase nenhum tempo.
Finalmente ela vê que foi feliz, mas não tanto quanto era agora. Parece que passou tudo tão rápido.
Seu marido a observava de longe, e conhecendo-a tão bem, nem perguntou o que se passava em sua cabeça. Apenas lhe abraçou, beijou e disse: "parece até que roubaram nosso tempo."
Percebeu que seu quarto já não tinha tantas notas adesivas com listas de coisas para fazer, mas uma parede repleta de fotos fazia uma recordação instantânea de como a vida foi generosa, dando tantos pequenos prazeres diários que as pequenas tristezas nem tinham espaço.
Abriu a janela e viu a horta, linda como sempre, protegida pela murada de madeira que deixou o dedo de seu amado roxo por uma semana devido ao martelo tê-lo acertado. Dois labradores não paravam de latir e emitir sinais de alegria quando a viram. O sol já estava ficando forte e a piscina do outro lado do quintal refletia essa luz quase que convidando-os para um mergulho. "Não tenho mais idade para isso", pensou.
Viu ainda que um dos cachorros segurava um carrinho de brinquedo na boca e lembrou que hoje é domingo, em algumas horas a casinha tão pequena se tornará ainda menor com a quantidade de crianças que vão correr por ali, o silêncio tranquilo que impera na maioria dos dias será quebrado pela risada dos filhos que têm tantos assuntos para conversar, mas quase nenhum tempo.
Finalmente ela vê que foi feliz, mas não tanto quanto era agora. Parece que passou tudo tão rápido.
Seu marido a observava de longe, e conhecendo-a tão bem, nem perguntou o que se passava em sua cabeça. Apenas lhe abraçou, beijou e disse: "parece até que roubaram nosso tempo."
"Bang! Eu vim roubar o seu tempo."
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